Meus cinco centavos sobre a HQ de Mega Man (Archie)

   


     Antes mesmo de criar este blog, cheguei a escrever alguns reviews mensais dos capĂ­tulos dessa HQ conforme eles eram lançados. Infelizmente isso acabou nĂŁo funcionando tĂŁo bem quanto eu queria, e desde que parei de escrever esses reviews, passei a planejar outros textos comentando os arcos completos dessa HQ. Mas por questões de praticidade, acabei optando por publicar primeiro este texto com minha opiniĂŁo geral sobre ela, e qual a leitura podemos fazer dela hoje. Caso valha a pena, ainda penso em escrever outros textos sobre arcos separados de sua histĂłria, já que eles permitem pontos de vista um tanto quanto relevantes. Tudo vai depender do tempo e do interesse dos leitores no material da Archie. 

A arte de Patrick "Spaz" Spaziante foi fundamental para ajudar
a me causar uma boa impressĂŁo
     A primeira coisa que tenho que dizer Ă© que essa HQ Ă© uma leitura um tanto quanto irregular. Seu primeiro ano de publicação foi bem promissor, contando com trĂŞs bons arcos de histĂłria. O primeiro era uma adaptação do primeiro Mega Man, que alĂ©m de contar com uma Ăłtima arte e narrativa visual, tinha um enredo e construção de personagens bem prĂłxima ao que vimos nos games. O segundo foi um arco filler, que se nĂŁo empolgou tanto, ao menos foi uma boa leitura. Ele aproveitava alguns elementos de Mega Man Powered Up e criava uma histĂłria inĂ©dita a partir dele, ligando o primeiro Mega Man com o segundo. No geral, sua utilidade foi incluir novos personagens, e alguns deles viriam a protagonizar momentos importantes mais para frente. Em seguida, Mega Man 2 foi adaptado, e se algumas liberdades criativas me incomodaram por descaracterizar alguns personagens (alĂ©m de repetir de maneira um tanto forçosa o drama do primeiro arco da HQ), a histĂłria ainda funciona. E isso se deve principalmente ao fato de Quick Man ter ganho um bom destaque. Mas apĂłs esse bom primeiro ano, o primeiro arco de histĂłria de seu segundo ano de publicação (Spiritus Ex Machina) marca uma certa decadĂŞncia na qualidade das histĂłrias. DaĂ­ em diante, tivemos boas histĂłrias intercaladas por outras tantas ruins. E entre essas ruins figuram todos os crossovers feitos nessa HQ. O primeiro deles "Worlds Collide" tem atĂ© alguns momentos divertidos, com destaque para a dinâmica entre Dr. Wily e Robotinick (a essa altura da vida Ă© difĂ­cil eu chamar ele de Eggman) mas fora isso, o resultado Ă© insosso. A dinâmica entre a maioria dos personagens nĂŁo funciona, e os absurdos lĂłgicos gerados pela tentativa de ligar mundos tĂŁo dĂ­spares, e demandas comercias por trás de
A melhor parte de Worlds Collide. NĂŁo discutam
uma história dessas (que sendo diretos, impedem que alguém morra no crossover ou que algo que altere demais a cronologia das duas séries aconteça) matam qualquer chance de se contar uma história memorável. Sem contar na patética cena onde Mega Man se recusa a atirar em Sonic por causa das "três leis da robótica", sendo que a mesma só serve para humanos, não para animais - é incrível como a Archie não da uma dentro quando o assunto são as três leis. No geral, temos uma história mediana, com alguns momentos engraçados, mas outros um tanto enfadonhos, como o citado momento das três leis. Legível, mas caso não seja um grande amante da ideia de um crossover entre essas série, ele se torna bastante dispensável. Por sorte, é possível pulá-lo sem prejudicar o entendimento da HQ.

Dawn of X, crossover de mentirinha
     Os outros crossovers vĂŁo pelo mesmo caminho. Dawn of X Ă© um "crossover" (entre aspas, porque na prática nem Ă© um crossover de fato, quem ler entenderá) onde basicamente nada acontece com os personagens da sĂ©rie clássica, enquanto temos quatro capĂ­tulos de exposição da sĂ©rie X. Se ao invĂ©s de se focar em mostrar tanto sĂ©rie clássica quanto X, esse crossover fosse sincero com sua proposta e se focasse sĂł na sĂ©rie X, boa parte do problema seria resolvido, ainda mais se tal arco servisse como prelĂşdio de uma HQ da sĂ©rie X. AĂ­ sim poderia funcionar. Quanto a Worlds United, os dois crossovers anteriores me fizeram lĂŞ-lo em piloto automático, mas no geral temos os mesmos problemas que em Wolrds Collide, sĂł em escala maior. Mas nĂŁo Ă© como se sĂł houvessem momentos ruins.
Praticamente todas as histĂłrias focadas em Proto Man sĂŁo boas, e o arco de histĂłrias Proto-Type, que conta a origem do personagem, Ă© provavelmente um dos ápices dessa HQ. É interessante como todas as nuances do personagem, assim como vários pontos que realmente fazem parte de sua cronologia estĂŁo lá, quase intactos. PorĂ©m, retratar aquilo que Ă© conhecido, mas nunca narrado, nos da a chance de termos um contato mais intimista com o personagem. Nos dar a chance de vivenciar sua histĂłria Ă© uma experiĂŞncia mais divertida que apenas conhecer, e mesmo tomando certas liberdades, o resultado final aqui foi Ăłtimo. Se lançassem um encadernado contendo apenas histĂłrias do Proto Man, eu compraria sem pensar duas vezes. Outro arco interessante foi o Blackout: The Course of Ra Moon, pois nele realmente souberam dosar os elementos de ação, mistĂ©rio e tensĂŁo em uma histĂłria grandiosa, e que serviu como prelĂşdio para Mega Man 3. Essa Ă© outra histĂłria que eu recomendaria a compra, e com a vantagem de existir um encadernado com ela. Aos interessados, comprem agora antes que se torne raro.

Quando o foco Ă© a ação, as coisas funcionam. 

     SĂł que assim que essas boas histĂłrias acabam, a irregularidade volta, e muitas vezes volta colocando a perder o que havia de bom nas histĂłrias anteriores. E por que? Simples. O principal erro dessa HQ nĂŁo Ă© fruto de nenhum furo de roteiro, escrita ruim, arte irregular (e sim, ela Ă© bastante irregular) ou crossover desnecessário. A mĂŁe de todos os erros dessa HQ na verdade vem de um erro de abordagem: a falta de compreensĂŁo de qual Ă© a abordagem da sĂ©rie clássica. Mega Man Ă© uma histĂłria de Super HerĂłis, uma aventura para crianças com muitas referĂŞncias a super herĂłis tanto americanos quanto japoneses. Mega Man nĂŁo Ă© um drama adulto encapado em um mundo de ficção cientĂ­fica, uma histĂłria sobre sofrimento e crises existenciais. Os temas de ficção cientĂ­fica estĂŁo lá,
Essa página é uma pequena amostra do
 que quero dizer
sĂŁo parte intrĂ­nseca do cenário da sĂ©rie, mas ambos estĂŁo lá em função de criar uma aventura, e tudo o que essa HQ nĂŁo Ă©, Ă© justamente uma aventura. Em muitos momentos, um tom mais negativo dita o clima da histĂłria, nĂŁo há tanto otimismo ou de valentia nas desventuras de Rock, esse que inclusive difere muito de sua contrapartida dos games. Rock Ă© um garoto alegre e valente, que nĂŁo tem medo de enfrentar grandes perigos nem de se sacrificar para proteger aqueles que estĂŁo a sua volta. NĂŁo seria isso a verdadeira sina de um herĂłi? Por outro lado, o Rock da HQ está sempre complexado, relutante e se deixando levar pelos inimigos. Em um dos momentos mais constrangedores da sĂ©rie, Rock Ă© mostrado como um acovardado com stress pĂłs traumático (e eu nem sabia que robĂ´s tinham isso, mas tudo bem, vamos relevar) fugindo de entrar em uma caverna graças ao resultado de sua luta anterior - luta essa que ele venceu e salvou o mundo com sua vitĂłria. Os Robot Masters vĂŁo pelo mesmo caminho. Eles deveriam ser ameaçadores e perigosos. NĂŁo como se fossem a verdadeira encarnação do mal, poderiam ser atĂ© cĂ´micos, mas ainda assim, interessados em derrotar Mega Man e em cumprir os desĂ­gnios de Dr. Wily. Deveriam ser um desafio a ser batido. E nĂŁo apenas com a força, mas com estratĂ©gia (em uma dinâmica de ação semelhante ao visto no anime Aldnoah Zero, pra dar um exemplo relativamente atual), trazendo assim a sensação que tĂ­nhamos jogando para a HQ. Mas nĂŁo, a maioria deles Ă© retratada como coitados, sem força, que apenas aguardam o carrasco Mega Man dar um fim a suas existĂŞncias medĂ­ocres em lutas rápidas e que nĂŁo empolgam. Foi assim que me senti ao ler a HQ de Mega Man 3, e nem de longe foi assim que eu me sentia jogando Mega Man 3. E por que? Bem, alĂ©m do formato quase fixo de "quatro edições por arco" forçar as lutas serem rápidas, há um outro problema. E esse problema Ă© o fato de que Ian Flynn - o roteirista da HQ - quis fazer sua versĂŁo "adulta-filosĂłfica-autoral" de Mega Man. E falhou em alcançar esse objetivo. 

Mega Man Megamix, de Hitoshi Ariga
     O que era para ser "profundo e realista" acaba sendo apenas deletĂ©rio em relação a construção de uma figura heroica dentro da sĂ©rie. Que criança quer se identificar com um bunda mole chorĂŁo? Que criança vai se empolgar em ver Mega Man acabar com um bando de fracassados que mal reage? Tirar toda a valentia do personagem Ă© simplesmente jogar uma pá de cal no senso de diversĂŁo da sĂ©rie, sob a pretensa ideia de torná-la mais "madura", assim como tornar os robot masters tĂŁo passivos destrĂłi qualquer senso de desafio presente nas histĂłrias. Oras, Hitoshi Ariga fez em seus mangás (Mega Man Megamix e Mega Man Gigamix) uma histĂłria realmente mais madura de Mega Man, mas manteve todas essas caracterĂ­sticas mais heroicas, por que Ă© isso que faz com que a sĂ©rie seja o que ela Ă©. E funcionou. A questĂŁo nĂŁo Ă© fazer Mega Man se levando a sĂ©rio, mas sim se levar a sĂ©rio
Vou ser apedrejado por dizer isso, mas Ben 10 Ă© mais
Mega Man do que muitos momentos da HQ da Archie
demais ao ponto de nĂŁo ser mais Mega Man. Por isso que acredito que teria sido melhor a Archie ter adaptado a sĂ©rie X do que a sĂ©rie clássica. Ela da espaço para esse tipo de abordagem que Ian Flynn buscou, alĂ©m de nos poupar de arcos que sĂł serviram de fanservice para os fĂŁs dessa sĂ©rie. Em
2017, a Man of Action irá criar uma animação de 26 episĂłdios de Mega Man, e a julgar pelo histĂłrico deles, eles entendem bem como fazer uma histĂłria de aventura para crianças. Há quem use a expressĂŁo "virou Ben 10" para se referir a perda de qualidade de uma obra, mas se nessa animação Mega Man "virar" Ben 10, já será uma evolução conceitual do que a Archie fez em algumas de suas histĂłrias.  


Mega Man, segundo a Capcom of America
     Mas esses erros invalidam a HQ como um todo? NĂŁo, nĂŁo invalidam. Ainda mais quando se analisa o histĂłrico das adaptações de Mega Man feitas nos EUA. Olhemos para o cartoon da Ruby-Spears, por exemplo. Como adaptação da sĂ©rie clássica ele Ă© pĂ©ssimo, e no geral vale sĂł pelo humor trash, que na maior parte das vezes, Ă© involuntário. Pode atĂ© ter sido importante para ajudar a divulgar Mega Man no ocidente, mas hoje Ă© um produto datado, que fora a nostalgia, nĂŁo se sustenta. Junte isso a imagem que a Capcom of America criou para o personagem em suas capas de gosto questionável, e chegamos a conclusĂŁo de que tantas mudanças praticamente transformaram "Mega Man" em um personagem totalmente diferente do "Rockman" como ele era originalmente no JapĂŁo. Outra adaptação digna de nota Ă© a HQ de
O Mega Man da Ruby-Spears nĂŁo chega a ser 
uma grande evolução...
Mega Man feita pela Dreanwave. Lançada no início dos anos 2000, ela teve apenas quatro capítulos, mas isso foi o suficiente para superar o cartoon anterior em qualquer aspecto. Mesmo fazendo uma livre adaptação, o básico que define Mega Man estava lá, e no geral, era uma leitura bem leve e divertida
A arte era boa, e mantinha o design fiel ao seu visual nos jogos, assim como a caracterização dos personagens e de seu universo eram feitos de maneira a identificar bem o público local. O que por outro lado gerou situações estranhas, como o Mega Man sofrendo bullying na escola, ou convidando uma garota para ir ao baile com ele. Porém, visualmente e em termos de caracterização, ainda era Mega Man. E era a coisa mais Mega Man feita na terra do Tio Sam até então.


A finada Dreamwave fez uma HQ de Mega Man no 
começo dos anos 2000. E mesmo não sendo 100%
 fiel aos jogos, Ă© uma boa leitura

     E aqui chegamos na Archie. Se pensarmos bem, eles foram um dos poucos a de fato adaptar Mega Man de forma serializada. Mesmo Hitoshi Ariga, que tem um trabalho inegavelmente competente, trabalhava mais com one-shots, historias curtas e muitas vezes spin-offs, nĂŁo necessariamente ligadas diretamente ao enredo dos jogos. A Archie, por outro lado, tinha como proposta serializar uma adaptação dos jogos. Mesmo que o trabalho deles nĂŁo bata o de Ariga, eles ofereciam algo que Ariga nĂŁo fez, nem a Dreamwave e tampouco a Ruby-Spears. O antigo mangá da sĂ©rie clássica tinha uma proposta parecida, mas alĂ©m de eles nĂŁo terem adaptado todos os jogos, hoje sĂŁo um produto um tanto datado. E um dos principais motivos Ă© o fato dele se passar quase todo em piloto automático. A sensação ao lĂŞ-lo Ă© mais prĂłxima da de ver um "detonado ilustrado" que a de ler uma histĂłria de verdade. Já a Archie fez uma adaptação que, mesmo com os seus erros, consegue atingir o pĂşblico infantil, e que poderia atĂ© mesmo ser lançada aqui no Brasil com uma certa chance de obter algum retorno. Aos trancos e barrancos, Ă© possĂ­vel ler e acompanhar mensalmente a sĂ©rie, mantendo Mega Man em nossas mentes, e de alguma maneira, ajudando a franquia a se manter viável comercialmente. Mesmo com alguns erros (e nĂŁo sĂŁo poucos), Ă© notável como a terra do Tio Sam evoluiu suas adaptações do Blue Bomber. Resta saber se a Archie dará sequĂŞncia a esse processo evolutivo, ou se essa responsabilidade cairá apenas nas mĂŁos da Man of Action. Prefiro o segundo caso, mas o primeiro nĂŁo seria tĂŁo ruim assim. 

Mesmo com seus problemas, essa HQ foi o ápice de um 
processo evolutivo da representação de Mega Man fora do JĂŁpĂŁo. 
Dito isso, digo que ela fez um bom trabalho no final das contas
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1 Comentários:

  1. Tassio Bruno Silva7 de junho de 2016 02:15

    Resumindo: vc gostou de ler mas poderia ter sido melhor kkk Eu meio q e entendo esse sentimento. adaptações sao sempre... como dizer.. difíceis de se fazer, quanto mais se forem feitas por mãos distantes (geografica e culturalmente) das que fizeram a obra original.

    Eu n li a HQ -- capaz de nunca vir a ler -- mas meio que entendo a vontade da Archie de fazer algo mais "filosofico" com o mega -- mesmo tendo sido melhor se fosse com o X. É mt provavel q o autor fosse mesmo mais fã do X que do clássico, ou simplesmente pensou "Vou me agarrar nesta historia e fazer algo sci fi de verdade!" -- o que meio que afastou o foco principal tanto do mega, qnt do publico (infantil).

    Isso meio que cabe uma pergunta: Que publico vc acha q leu esta HQ? Vi fãs falando no post do novo design do mega feito pela Man of Action, que quem consome mega man hj somos nós, velhos barbados -- e as boas vendas de mega man 8 e 9 n mentem. Então se tem um escritor afim de fazer sci fi e "dramas existenciais", mas atravancado pela censura classica ocidental e o que temos foi uma especie de versão "Steven Universo" e não Ben 10 do Mega Man -- estilo que anda se popularizando DEMAIS nos cartoons ocidentais: mt drama, poucos vilões e pouca ação.

    Para ser sincero, eu q gosto mais do classico q do X(is) (pq cresci jogando mais o mega msm) vejo ele como um cara (n vejo como "pinoquio e gepeto") corajoso, q faz tudo para proteger seus amigos e o mundo tbm -- e q apesar dos vilões q na maioria das vezes são MAIS FORTES q ele, ele sempre da um jeito de forma inteligente, de vencer seus inimigos. Uma especie de Homem-aranha cartoon dos anos 90.

    Se qlqr animação tiver essa vibe (heroi se sacrifica, luta de forma inteligente e é engraçado nas horas vagas) tudo oq é de "moral e ético" para se passar as crianças estará la -- e o publico barbado vai curtir. Minha op, claro kk

    Aquele abraço!

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